Uma das perguntas mais frequentes de pacientes diagnosticados com hérnia inguinal é: “É possível curar sem cirurgia?” A resposta honesta e baseada em evidências científicas pode não ser o que muitos gostariam de ouvir, mas é fundamental para tomar decisões informadas sobre sua saúde. Se você identificou os sintomas de hérnia inguinal e está preocupado com os perigos e complicações, neste artigo vamos esclarecer o que funciona, o que não funciona e quando a cirurgia é realmente necessária.
É possível curar hérnia inguinal sem cirurgia?
A resposta curta e direta: Não. A hérnia inguinal não cicatriza espontaneamente e não existe tratamento clínico (não cirúrgico) que cure a hérnia.
Por que a hérnia não se cura sozinha?
A hérnia inguinal é um defeito anatômico na parede abdominal:
- Há uma abertura ou fraqueza na musculatura
- Tecidos internos (gordura ou intestino) protuem através dessa abertura
- O corpo não consegue “fechar” esse defeito por conta própria
- A tendência natural é a hérnia crescer com o tempo, não diminuir
Diferentemente de uma distensão muscular que cicatriza, o defeito da parede abdominal permanece e geralmente piora progressivamente.
O que dizem as diretrizes médicas internacionais?
Todas as principais sociedades médicas e diretrizes internacionais são unânimes:
- European Hernia Society (2018): Não há evidência de tratamento não cirúrgico eficaz
- American College of Surgeons: A única cura definitiva é cirúrgica
- Sociedade Brasileira de Hérnia e Parede Abdominal: Cirurgia é o tratamento padrão
Conclusão baseada em evidências: Qualquer promessa de “cura sem cirurgia” não tem respaldo científico.
⚠️ Cuidado com promessas milagrosas
Desconfie de tratamentos que prometem "curar" hérnia inguinal sem cirurgia, como:
- Suplementos ou fórmulas "mágicas"
- Exercícios específicos que "fecham" a hérnia
- Tratamentos alternativos sem comprovação científica
- Pomadas ou cremes "milagrosos"
Essas abordagens não têm evidência científica e podem retardar o tratamento adequado, aumentando o risco de complicações.
Tratamentos não cirúrgicos: o que existe e qual a eficácia?
Embora não curem a hérnia, algumas abordagens não cirúrgicas podem ser usadas em situações específicas:
1. Vigilância ativa (watchful waiting)
O que é: Acompanhamento médico regular sem cirurgia imediata.
Quando pode ser considerado:
- Hérnias inguinais completamente assintomáticas em homens
- Pacientes com alto risco cirúrgico por comorbidades graves
- Após discussão detalhada de riscos e benefícios com o cirurgião
Evidências científicas:
Um estudo clássico publicado no JAMA (2006) acompanhou homens com hérnias minimamente sintomáticas:
- Taxa anual de complicações: < 1%
- 70% acabaram operando em 7 anos devido ao aparecimento ou piora de sintomas
- Vigilância é segura quando bem acompanhada, mas a maioria acaba necessitando cirurgia
Importante: Vigilância ativa NÃO é recomendada para:
- Hérnias sintomáticas (com dor ou desconforto)
- Hérnias femorais (alto risco de estrangulamento)
- Hérnias em mulheres (maior risco de complicações)
- Hérnias irredutíveis (que não “voltam”)
2. Cinta ou faixa para hérnia
O que é: Dispositivo de compressão externa que mantém a hérnia reduzida.
Eficácia real:
- NÃO cura a hérnia
- NÃO previne o crescimento da hérnia
- NÃO reduz o risco de complicações
- Pode proporcionar alívio temporário de sintomas em alguns casos
Quando pode ser usada:
- Temporariamente enquanto aguarda cirurgia
- Pacientes que não podem operar por comorbidades graves
- Nunca como tratamento definitivo
Desvantagens e riscos:
- Desconforto ao usar
- Pode causar lesões na pele
- Falsa sensação de segurança
- Pode dificultar a identificação de complicações
- Atrofia muscular na região se usada por tempo prolongado
O que dizem as diretrizes: Cintas não são recomendadas como tratamento de rotina. Seu uso deve ser restrito a situações muito específicas e temporário.
3. Medicamentos para desinflamar hérnia inguinal
A verdade sobre medicamentos:
A hérnia inguinal não é uma inflamação que possa ser tratada com anti-inflamatórios. É um defeito anatômico.
Quando medicamentos podem ajudar:
- Alívio temporário da dor: analgésicos ou anti-inflamatórios podem reduzir o desconforto
- NÃO tratam a hérnia em si
- NÃO previnem complicações
- NÃO reduzem o tamanho da hérnia
Medicamentos mais usados para sintomas:
- Analgésicos simples: paracetamol
- Anti-inflamatórios não esteroides: ibuprofeno, diclofenaco (use apenas com orientação médica)
- Relaxantes musculares: em casos específicos de espasmo muscular associado
Importante: Medicamentos são apenas para controle sintomático temporário, nunca tratamento definitivo.
4. Exercícios físicos
Podem curar a hérnia? Não.
Podem ajudar? Depende.
Exercícios que NÃO curam a hérnia:
- Não há exercício que “feche” o defeito da parede abdominal
- Fortalecer músculos ao redor não elimina a hérnia existente
Exercícios que podem ajudar (antes ou depois da cirurgia):
- Fortalecimento da musculatura abdominal: pode ajudar na prevenção de recidivas após cirurgia
- Exercícios de core: fortalecem a parede abdominal de forma geral
- Condicionamento físico: melhora a recuperação pós-operatória
Exercícios que devem ser evitados:
- Levantamento de peso excessivo
- Abdominais intensos ou inadequados
- Manobra de Valsalva (prender a respiração durante esforço)
- Qualquer exercício que aumente muito a pressão intra-abdominal
Recomendação: Exercícios podem ser úteis como preparo para cirurgia e prevenção de recidivas, mas não substituem o tratamento cirúrgico.
5. Fisioterapia
Pode curar? Não.
Pode ajudar? Em aspectos específicos.
O que a fisioterapia pode fazer:
- Fortalecer musculatura adjacente
- Melhorar postura e mecânica corporal
- Ensinar técnicas para reduzir pressão abdominal
- Preparar para cirurgia
- Auxiliar na reabilitação pós-operatória
O que a fisioterapia NÃO pode fazer:
- Fechar o defeito da parede abdominal
- Curar a hérnia
- Substituir a cirurgia quando ela é indicada
Quando a cirurgia é realmente necessária?
A cirurgia é o único tratamento definitivo para hérnia inguinal. Mas quando ela é realmente necessária?
Indicações fortes para cirurgia (recomendação das diretrizes)
1. Hérnias sintomáticas
Se você tem qualquer sintoma relacionado à hérnia:
- Dor ou desconforto
- Sensação de peso ou pressão
- Limitação de atividades
- Impacto na qualidade de vida
Recomendação: Cirurgia eletiva é indicada.
Por quê? Estudos mostram que 17% a 20% dos pacientes que postergam a cirurgia têm complicações graves antes de operar eletivamente.
2. Hérnias femorais
Mesmo sem sintomas, hérnias femorais devem ser operadas devido a:
- Alto risco de estrangulamento (até 40%)
- Espaço anatômico estreito
- Maior dificuldade diagnóstica de complicações
3. Hérnias inguinais em mulheres
Mesmo assintomáticas, geralmente recomenda-se cirurgia porque:
- Maior risco de se tratar de hérnia femoral (anatomia feminina)
- Maior taxa de complicações
- Diagnóstico diferencial mais difícil
4. Hérnias irredutíveis
Hérnias que não retornam para o abdômen (não reduzem) têm:
- Maior risco de complicações
- Indicação cirúrgica independente de sintomas
Se você já teve episódios de:
- Hérnia “travada” que depois voltou
- Dor intensa que melhorou espontaneamente
- Náuseas/vômitos associados à hérnia
Recomendação: Cirurgia urgente, pois o próximo episódio pode ser estrangulamento.
Quando vigilância ativa pode ser considerada?
Vigilância ativa (sem cirurgia imediata) pode ser discutida em casos muito específicos:
Critérios estritos:
- Hérnia inguinal (não femoral) em homens
- Completamente assintomática (sem dor, sem desconforto)
- Hérnia redutível (volta facilmente)
- Paciente bem informado sobre riscos
- Acompanhamento médico regular
- Paciente entende que pode precisar operar no futuro
Não é recomendado para:
- Qualquer hérnia sintomática
- Hérnias femorais
- Hérnias em mulheres
- Hérnias irredutíveis
- Pacientes que não podem ter acompanhamento regular
Qual o tamanho da hérnia para operar?
A verdade: O tamanho não é o fator mais importante para decidir se deve operar.
Fatores mais importantes que o tamanho
- Sintomas: presença de dor ou desconforto
- Tipo de hérnia: femoral vs. inguinal
- Redutibilidade: se a hérnia volta ou não
- Sexo: mulheres têm indicação mais ampla
- Impacto na qualidade de vida: limitações funcionais
Tamanho e risco
Contrariamente ao que muitos pensam:
- Hérnias pequenas com “colo” estreito podem ter MAIOR risco de estrangulamento
- Hérnias grandes podem ser menos propensas a estrangular, mas causam mais sintomas e são tecnicamente mais complexas
- Tamanho isoladamente não determina urgência ou indicação cirúrgica
Todas as hérnias devem ser operadas eventualmente?
Não necessariamente, mas a maioria sim:
- 70% das hérnias assintomáticas em vigilância ativa acabam sendo operadas em 7 anos
- Hérnias tendem a crescer e se tornar sintomáticas com o tempo
- Operar de forma eletiva é mais seguro que aguardar complicação
A resposta depende de vários fatores:
Hérnias assintomáticas
Teoricamente: Pode-se conviver anos com vigilância ativa adequada.
Na prática:
- 70% operam em 7 anos
- Risco anual de complicação < 1% (mas acumulativo)
- Qualidade de vida pode ser afetada mesmo em “assintomáticas”
Hérnias sintomáticas
Não é recomendado postergar:
- Risco de complicações: 17% a 20%
- Cirurgia de emergência é 10 a 150 vezes mais arriscada
- Qualidade de vida impactada
Recomendação: Se tem sintomas, não adie a cirurgia eletiva.
Como evitar que a hérnia inguinal cresça?
Se você tem hérnia e está aguardando cirurgia (ou em vigilância ativa), algumas medidas podem ajudar:
O que ajuda a evitar piora
- Evite levantar peso: não carregue objetos pesados (> 5-10 kg)
- Trate tosse crônica: bronquite, alergia, tabagismo
- Melhore trânsito intestinal: evite constipação e esforço evacuatório
- Perca peso se necessário: obesidade aumenta pressão abdominal
- Evite Valsalva: não prenda a respiração durante esforços
- Use técnica correta: ao levantar objetos (agache, não dobre)
- Exercícios leves: fortalecimento adequado sob orientação
O que NÃO previne crescimento
- Cintas ou faixas
- Suplementos ou vitaminas
- Pomadas ou cremes
- Exercícios “milagrosos”
- Tratamentos alternativos sem evidência
Comparação: cirurgia vs. não operar
Esta tabela resume a comparação baseada em evidências:
| Aspecto |
Cirurgia Eletiva |
Vigilância Ativa / Não Operar |
| Cura definitiva |
Sim (95%+ de sucesso) |
Não |
| Mortalidade |
< 0,1% |
Risco de mortalidade em complicações: 5-15% |
| Complicações |
5-10% |
Risco de complicação grave: 17-20% |
| Recidiva |
1-5% com tela |
Hérnia persiste e pode crescer |
| Tempo de recuperação |
2-4 semanas (laparoscopia) |
Não aplicável |
| Qualidade de vida |
Melhora significativa |
Sintomas persistem ou pioram |
| Necessidade futura de cirurgia |
Não (exceto recidiva) |
70% em 7 anos |
Casos especiais
Para pacientes com comorbidades graves (insuficiência cardíaca severa, cirrose descompensada):
- Risco cirúrgico pode superar benefícios em alguns casos
- Vigilância cuidadosa pode ser necessária
- Otimização clínica antes da cirurgia
- Decisão individualizada com equipe multidisciplinar
Pacientes muito idosos
- Idade avançada não é contraindicação absoluta
- Técnicas minimamente invasivas são seguras em idosos
- Considerar expectativa de vida e qualidade de vida
- Cirurgia eletiva ainda é mais segura que emergência
Hérnias recidivadas (que voltaram)
- Requerem avaliação especializada
- Técnica cirúrgica pode precisar ser diferente
- Considerar cirurgia laparoscópica se primeira foi aberta
- Avaliar causas da recidiva
Mitos e verdades sobre tratamento de hérnia
Mito: “Exercícios de Pilates curam hérnia inguinal”
Verdade: Exercícios fortalecem músculos, mas não fecham o defeito anatômico. Podem ajudar na prevenção e recuperação, mas não curam.
Mito: “Usar cinta evita que a hérnia cresça”
Verdade: Cintas não previnem crescimento. Podem dar alívio sintomático temporário, mas não tratam a causa.
Mito: “Posso esperar a hérnia diminuir sozinha”
Verdade: Hérnias não diminuem espontaneamente. A tendência é crescer com o tempo.
Mito: “Cirurgia de hérnia sempre volta”
Verdade: Com técnicas modernas e uso de tela, a taxa de recidiva é apenas 1% a 5%. A maioria dos pacientes não tem recidiva.
Mito: “Tem que operar mesmo se não dói”
Verdade: Depende. Hérnias femorais e hérnias em mulheres devem ser operadas mesmo sem dor. Hérnias inguinais assintomáticas em homens podem ser acompanhadas em alguns casos.
Conclusão
A pergunta “é possível tratar hérnia inguinal sem cirurgia?” tem uma resposta clara baseada em evidências científicas: não há cura sem cirurgia. Tratamentos não cirúrgicos podem proporcionar alívio temporário de sintomas, mas não eliminam a hérnia nem previnem complicações.
A boa notícia é que a cirurgia de hérnia inguinal é um procedimento seguro, com mortalidade menor que 0,1% em cirurgias eletivas e taxa de sucesso superior a 95%. Adiar a cirurgia quando há indicação aumenta significativamente o risco de complicações graves que exigem cirurgia de emergência, muito mais perigosa.
Se você tem hérnia inguinal sintomática, a recomendação é clara: não adie a cirurgia eletiva. Os riscos de postergar superam amplamente os riscos do procedimento programado.
Para hérnias assintomáticas em homens, a vigilância ativa pode ser discutida, mas requer acompanhamento médico rigoroso e cuidados específicos e entendimento de que a maioria acabará necessitando cirurgia eventualmente.
Agende uma consulta para avaliar seu caso individualmente, discutir opções de tratamento e, se indicado, planejar uma cirurgia segura e com ótimos resultados.