É possível tratar hérnia inguinal sem cirurgia? Quando operar é necessário

Entenda as opções de tratamento, a eficácia de cada abordagem e quando a cirurgia é realmente necessária

24/09/2025

Uma das perguntas mais frequentes de pacientes diagnosticados com hérnia inguinal é: “É possível curar sem cirurgia?” A resposta honesta e baseada em evidências científicas pode não ser o que muitos gostariam de ouvir, mas é fundamental para tomar decisões informadas sobre sua saúde. Se você identificou os sintomas de hérnia inguinal e está preocupado com os perigos e complicações, neste artigo vamos esclarecer o que funciona, o que não funciona e quando a cirurgia é realmente necessária.

É possível curar hérnia inguinal sem cirurgia?

A resposta curta e direta: Não. A hérnia inguinal não cicatriza espontaneamente e não existe tratamento clínico (não cirúrgico) que cure a hérnia.

Por que a hérnia não se cura sozinha?

A hérnia inguinal é um defeito anatômico na parede abdominal:

  • Há uma abertura ou fraqueza na musculatura
  • Tecidos internos (gordura ou intestino) protuem através dessa abertura
  • O corpo não consegue “fechar” esse defeito por conta própria
  • A tendência natural é a hérnia crescer com o tempo, não diminuir

Diferentemente de uma distensão muscular que cicatriza, o defeito da parede abdominal permanece e geralmente piora progressivamente.

O que dizem as diretrizes médicas internacionais?

Todas as principais sociedades médicas e diretrizes internacionais são unânimes:

  • European Hernia Society (2018): Não há evidência de tratamento não cirúrgico eficaz
  • American College of Surgeons: A única cura definitiva é cirúrgica
  • Sociedade Brasileira de Hérnia e Parede Abdominal: Cirurgia é o tratamento padrão

Conclusão baseada em evidências: Qualquer promessa de “cura sem cirurgia” não tem respaldo científico.

⚠️ Cuidado com promessas milagrosas

Desconfie de tratamentos que prometem "curar" hérnia inguinal sem cirurgia, como:

  • Suplementos ou fórmulas "mágicas"
  • Exercícios específicos que "fecham" a hérnia
  • Tratamentos alternativos sem comprovação científica
  • Pomadas ou cremes "milagrosos"
Essas abordagens não têm evidência científica e podem retardar o tratamento adequado, aumentando o risco de complicações.

Tratamentos não cirúrgicos: o que existe e qual a eficácia?

Embora não curem a hérnia, algumas abordagens não cirúrgicas podem ser usadas em situações específicas:

1. Vigilância ativa (watchful waiting)

O que é: Acompanhamento médico regular sem cirurgia imediata.

Quando pode ser considerado:

  • Hérnias inguinais completamente assintomáticas em homens
  • Pacientes com alto risco cirúrgico por comorbidades graves
  • Após discussão detalhada de riscos e benefícios com o cirurgião

Evidências científicas:

Um estudo clássico publicado no JAMA (2006) acompanhou homens com hérnias minimamente sintomáticas:

  • Taxa anual de complicações: < 1%
  • 70% acabaram operando em 7 anos devido ao aparecimento ou piora de sintomas
  • Vigilância é segura quando bem acompanhada, mas a maioria acaba necessitando cirurgia

Importante: Vigilância ativa NÃO é recomendada para:

  • Hérnias sintomáticas (com dor ou desconforto)
  • Hérnias femorais (alto risco de estrangulamento)
  • Hérnias em mulheres (maior risco de complicações)
  • Hérnias irredutíveis (que não “voltam”)

2. Cinta ou faixa para hérnia

O que é: Dispositivo de compressão externa que mantém a hérnia reduzida.

Eficácia real:

  • NÃO cura a hérnia
  • NÃO previne o crescimento da hérnia
  • NÃO reduz o risco de complicações
  • Pode proporcionar alívio temporário de sintomas em alguns casos

Quando pode ser usada:

  • Temporariamente enquanto aguarda cirurgia
  • Pacientes que não podem operar por comorbidades graves
  • Nunca como tratamento definitivo

Desvantagens e riscos:

  • Desconforto ao usar
  • Pode causar lesões na pele
  • Falsa sensação de segurança
  • Pode dificultar a identificação de complicações
  • Atrofia muscular na região se usada por tempo prolongado

O que dizem as diretrizes: Cintas não são recomendadas como tratamento de rotina. Seu uso deve ser restrito a situações muito específicas e temporário.

3. Medicamentos para desinflamar hérnia inguinal

A verdade sobre medicamentos:

A hérnia inguinal não é uma inflamação que possa ser tratada com anti-inflamatórios. É um defeito anatômico.

Quando medicamentos podem ajudar:

  • Alívio temporário da dor: analgésicos ou anti-inflamatórios podem reduzir o desconforto
  • NÃO tratam a hérnia em si
  • NÃO previnem complicações
  • NÃO reduzem o tamanho da hérnia

Medicamentos mais usados para sintomas:

  • Analgésicos simples: paracetamol
  • Anti-inflamatórios não esteroides: ibuprofeno, diclofenaco (use apenas com orientação médica)
  • Relaxantes musculares: em casos específicos de espasmo muscular associado

Importante: Medicamentos são apenas para controle sintomático temporário, nunca tratamento definitivo.

4. Exercícios físicos

Podem curar a hérnia? Não.

Podem ajudar? Depende.

Exercícios que NÃO curam a hérnia:

  • Não há exercício que “feche” o defeito da parede abdominal
  • Fortalecer músculos ao redor não elimina a hérnia existente

Exercícios que podem ajudar (antes ou depois da cirurgia):

  • Fortalecimento da musculatura abdominal: pode ajudar na prevenção de recidivas após cirurgia
  • Exercícios de core: fortalecem a parede abdominal de forma geral
  • Condicionamento físico: melhora a recuperação pós-operatória

Exercícios que devem ser evitados:

  • Levantamento de peso excessivo
  • Abdominais intensos ou inadequados
  • Manobra de Valsalva (prender a respiração durante esforço)
  • Qualquer exercício que aumente muito a pressão intra-abdominal

Recomendação: Exercícios podem ser úteis como preparo para cirurgia e prevenção de recidivas, mas não substituem o tratamento cirúrgico.

5. Fisioterapia

Pode curar? Não.

Pode ajudar? Em aspectos específicos.

O que a fisioterapia pode fazer:

  • Fortalecer musculatura adjacente
  • Melhorar postura e mecânica corporal
  • Ensinar técnicas para reduzir pressão abdominal
  • Preparar para cirurgia
  • Auxiliar na reabilitação pós-operatória

O que a fisioterapia NÃO pode fazer:

  • Fechar o defeito da parede abdominal
  • Curar a hérnia
  • Substituir a cirurgia quando ela é indicada

Quando a cirurgia é realmente necessária?

A cirurgia é o único tratamento definitivo para hérnia inguinal. Mas quando ela é realmente necessária?

Indicações fortes para cirurgia (recomendação das diretrizes)

1. Hérnias sintomáticas

Se você tem qualquer sintoma relacionado à hérnia:

  • Dor ou desconforto
  • Sensação de peso ou pressão
  • Limitação de atividades
  • Impacto na qualidade de vida

Recomendação: Cirurgia eletiva é indicada.

Por quê? Estudos mostram que 17% a 20% dos pacientes que postergam a cirurgia têm complicações graves antes de operar eletivamente.

2. Hérnias femorais

Mesmo sem sintomas, hérnias femorais devem ser operadas devido a:

  • Alto risco de estrangulamento (até 40%)
  • Espaço anatômico estreito
  • Maior dificuldade diagnóstica de complicações

3. Hérnias inguinais em mulheres

Mesmo assintomáticas, geralmente recomenda-se cirurgia porque:

  • Maior risco de se tratar de hérnia femoral (anatomia feminina)
  • Maior taxa de complicações
  • Diagnóstico diferencial mais difícil

4. Hérnias irredutíveis

Hérnias que não retornam para o abdômen (não reduzem) têm:

  • Maior risco de complicações
  • Indicação cirúrgica independente de sintomas

5. Hérnias com episódios de encarceramento

Se você já teve episódios de:

  • Hérnia “travada” que depois voltou
  • Dor intensa que melhorou espontaneamente
  • Náuseas/vômitos associados à hérnia

Recomendação: Cirurgia urgente, pois o próximo episódio pode ser estrangulamento.

Quando vigilância ativa pode ser considerada?

Vigilância ativa (sem cirurgia imediata) pode ser discutida em casos muito específicos:

Critérios estritos:

  • Hérnia inguinal (não femoral) em homens
  • Completamente assintomática (sem dor, sem desconforto)
  • Hérnia redutível (volta facilmente)
  • Paciente bem informado sobre riscos
  • Acompanhamento médico regular
  • Paciente entende que pode precisar operar no futuro

Não é recomendado para:

  • Qualquer hérnia sintomática
  • Hérnias femorais
  • Hérnias em mulheres
  • Hérnias irredutíveis
  • Pacientes que não podem ter acompanhamento regular

Qual o tamanho da hérnia para operar?

A verdade: O tamanho não é o fator mais importante para decidir se deve operar.

Fatores mais importantes que o tamanho

  1. Sintomas: presença de dor ou desconforto
  2. Tipo de hérnia: femoral vs. inguinal
  3. Redutibilidade: se a hérnia volta ou não
  4. Sexo: mulheres têm indicação mais ampla
  5. Impacto na qualidade de vida: limitações funcionais

Tamanho e risco

Contrariamente ao que muitos pensam:

  • Hérnias pequenas com “colo” estreito podem ter MAIOR risco de estrangulamento
  • Hérnias grandes podem ser menos propensas a estrangular, mas causam mais sintomas e são tecnicamente mais complexas
  • Tamanho isoladamente não determina urgência ou indicação cirúrgica

Todas as hérnias devem ser operadas eventualmente?

Não necessariamente, mas a maioria sim:

  • 70% das hérnias assintomáticas em vigilância ativa acabam sendo operadas em 7 anos
  • Hérnias tendem a crescer e se tornar sintomáticas com o tempo
  • Operar de forma eletiva é mais seguro que aguardar complicação

Quanto tempo posso conviver com uma hérnia inguinal?

A resposta depende de vários fatores:

Hérnias assintomáticas

Teoricamente: Pode-se conviver anos com vigilância ativa adequada.

Na prática:

  • 70% operam em 7 anos
  • Risco anual de complicação < 1% (mas acumulativo)
  • Qualidade de vida pode ser afetada mesmo em “assintomáticas”

Hérnias sintomáticas

Não é recomendado postergar:

  • Risco de complicações: 17% a 20%
  • Cirurgia de emergência é 10 a 150 vezes mais arriscada
  • Qualidade de vida impactada

Recomendação: Se tem sintomas, não adie a cirurgia eletiva.

Como evitar que a hérnia inguinal cresça?

Se você tem hérnia e está aguardando cirurgia (ou em vigilância ativa), algumas medidas podem ajudar:

O que ajuda a evitar piora

  1. Evite levantar peso: não carregue objetos pesados (> 5-10 kg)
  2. Trate tosse crônica: bronquite, alergia, tabagismo
  3. Melhore trânsito intestinal: evite constipação e esforço evacuatório
  4. Perca peso se necessário: obesidade aumenta pressão abdominal
  5. Evite Valsalva: não prenda a respiração durante esforços
  6. Use técnica correta: ao levantar objetos (agache, não dobre)
  7. Exercícios leves: fortalecimento adequado sob orientação

O que NÃO previne crescimento

  • Cintas ou faixas
  • Suplementos ou vitaminas
  • Pomadas ou cremes
  • Exercícios “milagrosos”
  • Tratamentos alternativos sem evidência

Comparação: cirurgia vs. não operar

Esta tabela resume a comparação baseada em evidências:

Aspecto Cirurgia Eletiva Vigilância Ativa / Não Operar
Cura definitiva Sim (95%+ de sucesso) Não
Mortalidade < 0,1% Risco de mortalidade em complicações: 5-15%
Complicações 5-10% Risco de complicação grave: 17-20%
Recidiva 1-5% com tela Hérnia persiste e pode crescer
Tempo de recuperação 2-4 semanas (laparoscopia) Não aplicável
Qualidade de vida Melhora significativa Sintomas persistem ou pioram
Necessidade futura de cirurgia Não (exceto recidiva) 70% em 7 anos

Casos especiais

Pacientes com alto risco cirúrgico

Para pacientes com comorbidades graves (insuficiência cardíaca severa, cirrose descompensada):

  • Risco cirúrgico pode superar benefícios em alguns casos
  • Vigilância cuidadosa pode ser necessária
  • Otimização clínica antes da cirurgia
  • Decisão individualizada com equipe multidisciplinar

Pacientes muito idosos

  • Idade avançada não é contraindicação absoluta
  • Técnicas minimamente invasivas são seguras em idosos
  • Considerar expectativa de vida e qualidade de vida
  • Cirurgia eletiva ainda é mais segura que emergência

Hérnias recidivadas (que voltaram)

  • Requerem avaliação especializada
  • Técnica cirúrgica pode precisar ser diferente
  • Considerar cirurgia laparoscópica se primeira foi aberta
  • Avaliar causas da recidiva

Mitos e verdades sobre tratamento de hérnia

Mito: “Exercícios de Pilates curam hérnia inguinal”

Verdade: Exercícios fortalecem músculos, mas não fecham o defeito anatômico. Podem ajudar na prevenção e recuperação, mas não curam.

Mito: “Usar cinta evita que a hérnia cresça”

Verdade: Cintas não previnem crescimento. Podem dar alívio sintomático temporário, mas não tratam a causa.

Mito: “Posso esperar a hérnia diminuir sozinha”

Verdade: Hérnias não diminuem espontaneamente. A tendência é crescer com o tempo.

Mito: “Cirurgia de hérnia sempre volta”

Verdade: Com técnicas modernas e uso de tela, a taxa de recidiva é apenas 1% a 5%. A maioria dos pacientes não tem recidiva.

Mito: “Tem que operar mesmo se não dói”

Verdade: Depende. Hérnias femorais e hérnias em mulheres devem ser operadas mesmo sem dor. Hérnias inguinais assintomáticas em homens podem ser acompanhadas em alguns casos.

Conclusão

A pergunta “é possível tratar hérnia inguinal sem cirurgia?” tem uma resposta clara baseada em evidências científicas: não há cura sem cirurgia. Tratamentos não cirúrgicos podem proporcionar alívio temporário de sintomas, mas não eliminam a hérnia nem previnem complicações.

A boa notícia é que a cirurgia de hérnia inguinal é um procedimento seguro, com mortalidade menor que 0,1% em cirurgias eletivas e taxa de sucesso superior a 95%. Adiar a cirurgia quando há indicação aumenta significativamente o risco de complicações graves que exigem cirurgia de emergência, muito mais perigosa.

Se você tem hérnia inguinal sintomática, a recomendação é clara: não adie a cirurgia eletiva. Os riscos de postergar superam amplamente os riscos do procedimento programado.

Para hérnias assintomáticas em homens, a vigilância ativa pode ser discutida, mas requer acompanhamento médico rigoroso e cuidados específicos e entendimento de que a maioria acabará necessitando cirurgia eventualmente.

Agende uma consulta para avaliar seu caso individualmente, discutir opções de tratamento e, se indicado, planejar uma cirurgia segura e com ótimos resultados.

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